DOMINGOS MONTAGNER - O ESPETÁCULO NÃO PARA

Um espétaculo de livro! Daqueles preparados com tal esmero que passa a impressão ao leitor de que cada parágrafo foi pensado, medido, construído com uma fita métrica na mão. Não falta nada, não passa nada. É um prazer imenso virar cada página. Eu fiquei impressionado como o pesquisador, o biógrafo admira o biografado. Cada expressão usada no livro, referindo-se ao seu personagem central, carrega um quê de admiração e respeito. Nota-se, atrevo-me a afirmar, que há uma relação profunda entre quem conta a história e a pessoa que a protagoniza. Dá gosto perceber esse envolvimento. O texto fica mais interessante, mais afetivo. Eu, pelo menos, gosto de livros escritos desse modo.

Tive a oportunidade de entrevistar o autor antes de ler o livro e agora percebo que, apesar de ter sido uma conversa muito agradável, poderia ter sido muito melhor. Paciência. A data da gravação da entrevista não me possibilitou ler o livro de modo a construir uma papo melhor. Em todo caso, acho que já havia captado muito do que o livro tem por causa da informação que a editora forneceu no período  da divulgação do lançamento.

Domingos Montanger é um gigante. Professor de educação física que descobre o circo, que descobre a manipulação de bonecos, que descobre o teatro e que , no fim, descobre a televisão. E o livro atesta que foi profissional ético, cuidadoso, dedicado e entusiasmado em todos esses espaços. Correto, humano, atencioso, humilde, ele construiu uma carreira cheia de momentos densos. Sua trama foi encerrada no ápice, quando morreu afogado nas águas do São Francisco extamente quando protagonizava uma novela ambientada nas margens desse rio lendário.

Oswaldo Carvalho não se perde em lances de sensação, é primoroso em descrever o modo como Montagner cresce, assume sua vida, cuida dos seus, da sua profissão e da sua arte. Não espere encontrar no livro passagens picantes de intimidade sexual. O autor tem a delicadeza de, mesmo em situações de evidente teor de sensualidade, fazer a palavra correr cheia de cuidado. A esposa de Montagner é situada de modo absolutamente normal, sem exploração desnecessária.

Creio que se entenderem bem, a maior parte da biografia coincide com uma verdadeira história do circo em São Paulo, no período de vida em que Montagner atuou. Penso assim porque o autor foi particularmente interessado em registrar além da mentalidade de um circo tradicional que se encontrava diante de novas técnicas e formatos, citou nomes sem nenhuma economia. Penso que se trata de um texto com grande potencial para a consulta de historiadores do futuro.

Adoraria morrer cheio de planos como o Montagner e pudesse, no momento da morte, ouvir do anjo torto que aquilo que fiz na vida poderia servir para alguém.

Fiquei muito feliz de conhecer Domingos Montagner (que não é sobrenome francês, mas italiano) por meio da argúcia investigativa e da beleza da escrita de Oswaldo Carvalho.

Rafael Vieira

21.05.2022

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

DE CU PARA A LUA

LAÇOS DE AFETO